'Hubs' mudam o mapa da aviação
Uma tendência iniciada há pouco mais de cinco anos na aviação brasileira vem ganhando escala — a de hubs estratégicos, em que companhias aéreas elegem alguns aeroportos para concentrar operações, voos e conexões. Por isso, embora a Gol lidere atualmente o tráfego doméstico, seguida de Latam, Azul e Avianca, o mapa da aviação ganha contornos diferentes dependendo do aeroporto.
No Galeão, a Gol domina, com 53% da oferta de assentos que decolam desse terminal carioca. Já em Brasília, é a Latam que lidera, com 45% da oferta. Se o retrato for tirado em Guarulhos (SP), novamente, a Latam se destaca, com 41% da oferta. Já em Belo Horizonte, a líder é a Azul, com 55% da capacidade nos voos que partem da cidade (ver mapa ao lado).
“A aviação brasileira mudou a malha aérea. [Está] sendo desenhada mais de acordo com o perfil comercial das empresas, de acordo com seu público alvo, buscando vantagens comparativas”, diz o coordenador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (Nectar-ITA), Alessandro Oliveira.
Segundo o professor titular do Programa de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE-UFRJ), Elton Fernandes, historicamente os maiores hubs brasileiros sempre foram aqueles de grande demanda, em São Paulo e no Rio. Era assim o modelo na época de Varig, Transbrasil e Vasp, nos anos 1970 e 1980, sendo replicado por Gol e TAM desde os anos 1990. Os demais aeroportos de outras cidades apenas reproduziam de forma proporcional esse predomínio.
Esse formato começou a mudar no Brasil com a Azul, que lançou as operações em 2008 em Viracopos (Campinas-SP), terminal que virou alternativa ao aeroporto de Guarulhos, dominado por Gol e Latam. Foi a estratégia usada por David Neeleman, fundador da Azul, para furar o duopólio de então.
Hoje, a Azul detém 95,5% da oferta nos voos que partem de Campinas. “Viracopos ainda é o coração de nossa operação”, diz o diretor de alianças e distribuição da Azul, Marcelo Bento Ribeiro. Decolam diariamente de lá 140 voos da Azul para 54 destinos no país. É o sistema de “hub & spoke”, predominante nos Estados Unidos. Lá, a Delta Air Lines domina o oeste americano a partir de Atlanta; a American Airlines controla o centro do país a partir de Dallas; e a United Airlines é dona do norte tendo Chicago com base.
“O Brasil caminha para um modelo mais parecido com o dos Estados Unidos”, diz o sócio da consultoria Bain & Company, André Castellini, especialista em aviação.
O diretor da Azul disse que embora Viracopos ainda tenha espaço para crescer, a companhia decidiu buscar novos hubs. “O risco de ter apenas um hub é ficar muito exposto aos riscos desse terminal. Isso ficou mais claro na crise econômica, quando cada companhia decidiu defender suas fortalezas”. Belo Horizonte foi a cidade escolhida pela Azul para um segundo hub. De Confins, a Azul faz hoje 46 voos e atende 22 destinos.
O vice-presidente da Avianca Brasil, Tarcísio Gargioni, observa que a aviação sempre se concentrou em São Paulo e Rio de Janeiro, “mas percebemos nos últimos anos o fortalecimento de Brasília, por estar no centro geográfico do país, ser capital administrativa e ter sido um terminal incluído no primeiro pacote de concessões”. Em Brasília, a Avianca faz 31 decolagens diárias para 19 destinos. “O aeroporto de Brasília tem duas pistas que podem operar de forma independente, o que amplia a capacidade operacional”, diz o executi- vo da Avianca, que também usa Guarulhos, Galeão e Salvador como hubs estratégicos.
Brasília, assim como Guarulhos, Galeão, Belo Horizonte, Viracopos e Salvador têm em comum o fato de serem aeroportos que integram o programa de concessão à iniciativa privada. “O advento das concessões dos aeroportos atraiu investimentos que não existiram antes, garantindo uma infraestrutura que o Brasil não tinha”, diz o vice-presidente de planejamento da Gol, Celso Ferrer.
Desde 2011, a privatização de aeroportos no Brasil gerou investimentos de R$ 10,4 bilhões. Outros R$ 6,8 bilhões foram gastos pela Infraero em outros terminais. Assim, a capacidade dos terminais brasileiros cresceu 63% nos últimos seis anos, para 365,8 milhões de passageiros/ano, e a área de pátios foi ampliada em 43%, para 6,4 milhões de metros quadrados.
Mais R$ 6 bilhões deverão ser aportados pelas concessionárias privadas nos quatro terminais recém privatizados do terceiro ciclo de concessões: Florianópolis, Porto Alegre, Salvador e Fortaleza, onde a Gol terá seu terceiro hub estratégico no país. Além de Fortaleza, a Gol considera Galeão e Guarulhos como hubs estratégicos.
A mesma estratégia tem sido usada pela Latam Brasil, que desde a fusão entre a brasileira TAM com a chilena LAN concentrou as conexões de sua malha no país em Guarulhos e Brasília. A Latam chegou a ter planos de ser a pioneira no Brasil em ter um hub estratégico no Nordeste, quando anunciou, já em abril de 2015, o plano de criar um centro de operações numa capital nordestina. Mas a recessão dos últimos anos levou o grupo a congelar planos e adiar a escolha de um terminal, que seria em Recife, Natal ou Fortaleza. Sobrou apenas uma alternativa para a Latam no Nordeste — o aeroporto de Natal. A Gol já ocupou Fortaleza, a Avianca está ocupando Salvador e a Azul elegeu Recife como hub no Nordeste Brasileiro.
Nesse novo desenho da malha aérea, Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ) seguem como terminais para voos ponto a ponto. Esses aeroportos não têm infraestrutura necessária para comportar maior volume de operações simultâneas. Porto Alegre e Natal, por sua vez, devem ganhar relevância mais adiante, dizem especialistas.
Por João José Oliveira - De São Paulo - Valor Econômico
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